domingo, 16 de junho de 2013

Cante sua música


Assisti a um documentário sobre a vida do cantor norte-americano Harry Belafonte que, além de ser um filme belíssimo, trouxe-me uma reflexão sobre o que temos visto nas ruas com as marchas, manifestações e protestos organizados pelos movimentos sociais.
O documentário faz um retrato da militância deste artista em defesa dos direitos civis e humanos. Confesso que só o conhecia por uma canção: Banana Boat Song, e muito superficialmente.
Mas ao ver seu passado de lutas em defesa dos direitos dos negros nos EUA, contra a fome na África, contra o apartheid e contra a criminalização da pobreza, me surpreendi com sua grandeza.
Foi emocionante ver seu encontro com Nelson Mandela.
E mais do que isso, este documentário veio para mim em boa hora. Veio com as manifestações dos jovens em SP, RJ e RS na semana passada. Veio com as marchas contra o Estatuto do Nascituro em todo o país.

Faço uma ressalva às manifestações de Brasília, onde na minha opinião houve um misto de ação dos setores mais atrasados alimentados pelo que restou do coronelismo de Roriz e do oportunismo da esquerda udenista do PSOL com a têmpera autoritária da PM do DF. Porque por mais que eu me esforce, não vi nos protestos de Brasília nenhuma luta por direitos, apenas um embate pré-eleitoral.

Mas vamos aos protestos reais. Os milhares de jovens que se reuniram na luta contra o aumento das passagens, tem na pauta a concretude da defesa de seus direitos.
Por mais que tenhamos avançado na construção de políticas públicas de inclusão. Por mais que os governos tenham tirado milhões de pessoas da miséria absoluta. Ainda temos um longo caminho a trilhar.
Quem mora nas periferias das grandes cidades, quem estuda nas nossas escolas públicas, depende de nossos hospitais, sofre descriminações de todas as formas, sabe que ainda estamos muito longe da "realidade" dos gráficos de programas governamentais.
Ainda vivemos em uma sociedade em que um negro num táxi à noite é sempre suspeito, como aconteceu com o então secretário-executivo do Ministério do Esporte, Orlando Silva no início do governo Lula.  Para quem não se lembra: ele pegou um táxi após uma sessão de cinema, e o motorista pediu "ajuda" aos guardas em frente ao Palácio do Planalto com medo de que ele fosse um assaltante.
Um episódio marcante, mas que ficou restrito às notas de pé de página de alguns jornais.
Vivemos em uma sociedade que elege figuras do calibre de Jair Bolsonaro e seus filhos para a Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa e Câmara Municipal do Rio.
Vivemos em um país onde a ira fascista da classe média, que mira em negros, pobres, gays, lésbicas, sem-terra, sem-teto, e quaisquer outras lutas sociais, com a justificativa moral de combater a "corrupção".
Nem vou perder meu tempo, e o seu, falando disso.
Pois bem, estes são os fatores que catalisam as manifestações que vemos.
Sem dúvida que as redes sociais permitem que um indivíduo se informe e integre as lutas e atividades, sem precisar participar de reuniões ou outras formas de organização. Mas na minha modesta opinião, não são as redes que catalisam, elas facilitam apenas.
A luta contra as injustiças existiam antes, dentro e fora dos partidos. Contra patrões e contra governos. E fundamentalmente na defesa de direitos.
A luta estudantil não surgiu com o Fora Collor, nem a luta sindical surgiu com metalúrgicos do ABC.
A luta de Mandela contra o apartheid foi feita dentro do Congresso Nacional Africano, mas também fora dele.
Digo isso, pois não tenho dúvidas que nos movimentos existem os que dedicam suas vidas às lutas, e também há os que utilizam as lutas para ascenderem política e socialmente.
Não critico as formas institucionais de luta, sei bem a sua importância e relevância. Mas não me perfilo aos que consideram todos os atos e movimentos unicamente dentro da lógica eleitoral.
Este ano, participei de um seminário onde um ilustre economista discorreu sobre a necessidade de lutarmos por novas propostas de saúde que contemplassem a longevidade que nossa sociedade permitia agora. Que a luta acertada seria em defesa da "felicidade" apenas.
Uma argumentação estranha, desconcertante, dado o respeito que tinha pelo palestrante.
Fui salvo deste estado de desconforto pela  intervenção de um operário que estava na mesa e lembrou que "ainda estamos no capitalismo, e nossa luta neste momento é para superá-lo".
A participação da esquerda nos governos municipais, estaduais e no governo central não nos desobrigam da luta contra o degredo social, a injusta estratificação e a exploração criados pelo capitalismo.
A classe média só entende a violência policial ao ser defrontada com uma brutal repressão como a que foi feita em São Paulo. Mas aquilo não é exceção, aquilo não foi excesso. A brutalidade está na vida real de milhões de brasileiros.
Ver uma pessoa como Harry Belafonte, que aos 80 anos se dedica ao combate da criminalização da juventude e da pobreza emociona.
Ele, ainda canta a sua canção.
E estamos assistindo milhares de vozes cantando as suas. Canções bem-humoradas, de protesto, fora do ritmo, desarmoniosas, mas a plenos pulmões.
Muito mais vivas que o silêncio covarde dos que tem esperança que nada aconteça.




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