quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Dores de Botero
Mostra de pintor colombiano traça panorama desconcertante da violência endêmica em seu país. Belas e terríveis, obras se constituem em apelo à solidariedade internacional e compõem uma denúncia de que a brutalidade sempre atinge os mais pobres, numa sociedade marcada pela desigualdade. O artigo é de Gilberto Maringoni.
Há uma mostra imperdível do pintor e escultor colombiano Fernando Botero, em São Paulo. Trata-se de “Dores de Colômbia”, um dilacerante painel sobre a violência entranhada há décadas nas relações políticas e sociais do país. A exposição já esteve em São Paulo em 2007 e volta como evento itinerante.
Botero é conhecido por suas figuras gordas e roliças, presentes em peças espalhadas por diversos países. Há um tom de humor em suas obras, embora muitas estejam longe de serem engraçadas. Em geral, são personagens quase estáticos que ocupam quase todo o cenário de seus quadros. Flertam com a melancolia caribenha, marcada pela promessa de um futuro que nunca chega e um passado que torna toda tentativa de modernização uma reiteração sufocante e nunca plenamente superada. O amargor farsesco apresenta semelhanças com o clima que atravessa também a produção de seu conterrâneo Gabriel Garcia Márquez.
Brutalidade social
O Botero que chega à capital paulista não tem ambiguidades. Trata-se de um conjunto de 35 desenhos, 25 pinturas e seis aquarelas, produzidas entre 1999 e 2004, tendo por tema central a brutalidade como relação social.
Sem deixar as formas arredondadas de lado, o artista compõe um painel de corpos dilacerados, cadáveres insepultos, tiros, agressões e atentados que funciona não apenas como denúncia, mas como um apelo lancinante à solidariedade internacional. O colorido forte e a presença de figuras quase caricaturais, marcas distintivas de sua obra, só fazem ressaltar dor e desespero. Botero pinta sucedâneos de Guernica, belos e terríveis a um só tempo.
Num continente marcado por golpes, atentados, torturas e assassinatos – no qual o Brasil se insere –, o caso colombiano exagera na dose. As tentativas de civilizar as disputas locais terminaram em reiteradas disputas regadas a sangue.
Incivilidade atávica
Há uma data definidora da agressividade sem freios: o 9 de abril de 1948. Nesse dia foi assassinado à queima roupa o candidato presidencial Jorge Eliécer Gaitán, favorito para o pleito de 1950. Ex-prefeito de Bogotá e ex-Ministro da Educação, Gaitán, então com 50 anos, notabilizara-se por sua trajetória nacionalista e de esquerda e por defender a reforma agrária, a educação e os serviços públicos. A enorme reação popular que se seguiu resultou em acirradas batalhas campais e depredações no centro da capital, conhecidas como o bogotazo. O mais grave é que disseminou-se na sociedade o ceticismo por soluções negociadas.
A violência não atinge igualmente todas as classes sociais. Suas vítimas preferenciais são os setores populares, especialmente no campo, marcado, como em toda a região, pela aguda concentração fundiária e pela presença de uma oligarquia que defende com gana e ardor seus privilégios seculares. Massacres de camponeses, eleições fraudadas e o sufocamento de qualquer reivindicação material geraram atritos em quase todas as regiões.
A partir dos anos 1960, a impossibilidade de se canalizar a insatisfação de setores excluídos através de vias institucionais desatou um movimento guerrilheiro inspirado pela Revolução Cubana, que perdura até a atualidade.
Os choques entre forças de segurança, guerrilha, grupos paramilitares e narcotraficantes ganhou dimensões ainda maiores com os acordos militares realizados entre o país e os Estados Unidos. O número de mortos alcança a casa das dezenas de milhares. Cerca de 1,5 milhão de colombianos teve de deixar seus lares em busca de lugares seguros dentro e fora do país. O desenlace dessa verdadeira guerra civil ainda é uma incógnita.
Depoimento visual
Com precisão quase jornalística, Botero presta um inestimável depoimento visual sobre a situação. As referências à guerrilha ou às forças militares legais e ilegais são mínimas. Há o povo em seu desespero nas igrejas e lugarejos do interior.
Os trabalhos nunca foram comercializados. “Não vou lucrar com a dor da Colômbia”, declarou o artista, ao doar a coleção ao Museu Nacional de seu país, há quase dez anos.
Essas características levaram a instituição a criar um programa itinerante para a mostra.
Em abril próximo, Botero completará 80 anos, metade deles vividos fora de seu país, com de constantes idas e vindas. É possível que a distância tenha apurado sua sensibilidade, para detectar causas e sintomas de uma chaga ainda aberta.
A exposição “Dores de Colômbia” tem curadoria de Denise Carvalho (Aori Produções) e fica no Mube (Av. Europa, 218 - Jardim Europa São Paulo -http://www.mube.art.br/?Homepage) até 8 de janeiro. A exposição já passou por Curitiba Rio de Janeiro e Brasília e segue depois para Porto Alegre, Belo Horizonte e Salvador.
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